Kilimanjaro, o monte mais alto da África, perdeu 88% de sua cobertura de gelo desde 1912. É irônico, pois, na língua dos antigos nativos da Tanzânia, o verbete kilimanjaro significa o monte das neves eternas. Aquele povo primitivo só não imaginava que o ser humano contemporâneo – que se autoproclama civilizado – pudesse subverter os sagrados ditames do tênue equilíbrio ambiental.
Esse ínfimo exemplo, entre uma miríade de outros que poderiam ser evocados, é sinal de uma natureza agônica e pedagógica, expondo que a vida na Terra – por causa das agressões humanas aos ecossistemas e à biodiversidade – está entrando em colapso. A propósito, essa é a mensagem de mais um alerta, dessa vez expressa no comunicado do último Congresso Mundial da Natureza, realizado em setembro de 2017, com a presença de 10 mil cientistas e líderes de governos.
Nesse mesmo sentido adverte o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, firmado por quase 200 países, entre eles o Brasil: “A sobrevivência de toda a humanidade está em perigo. É o momento de sermos lúcidos, de reconhecer que chegamos ao limite do irreversível, do irreparável”. Há, sim, uma corrente menor e de credibilidade duvidosa, que questiona essas evidências incontestáveis, sob os argumentos mais criativos possíveis, e que serve de escusa para posturas como a do presidente Trump, ao retirar os EUA do referido Acordo. No entanto, a absoluta maioria da comunidade científica mundial é categórica: os prognósticos para o século XXI são apocalípticos, em consequência de ações humanas que promovem o aquecimento global e mudanças climáticas.
Para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), órgão da ONU, se a humanidade continuar a emitir gases poluentes, sobretudo pela queima de combustíveis fósseis, com a mesma intensidade dos últimos anos, a temperatura média mundial se elevará em 4 graus até o final deste século, e todo o equilíbrio ambiental fatalmente entrará em colapso. Destarte, senão o maior, um dos principais desafios do século XXI é a descarbonização da economia mundial, razão pela qual são bem-vindas todas as modalidades de energias sustentáveis.
Na abertura da 23ª Conferência do Clima da ONU, em Bonn, no início de novembro, foi anunciado que o ano de 2017 fecharia com recorde de eventos climáticos extremos e, se não bastasse, como o ano mais quente da história. Dos 16 anos mais quentes da história, 15 ocorreram no presente século e, ainda mais emblematicamente, os campeões foram os três últimos anos. Essa medição, iniciada em 1880 pela Agência de Oceanos e Atmosfera dos EUA, está muito próxima dos dados coletados pela Organização Meteorológica Mundial. Eventos meteorológicos extremos, como furacões, tornados, tufões, secas, incêndios e inundações são exemplos eloquentes de catástrofes naturais, e o incremento de sua frequência nas últimas décadas é irrefutável.
Ademais, a ocorrência de três furacões com a magnitude do Harvey, Irma e José, em 2017, foi classificada probabilisticamente como “uma em 500 anos”, deixando para trás um rastro de dezenas de mortes, prejuízos de mais de 250 bilhões de dólares apenas nos EUA. O estrago só não foi maior pela previsibilidade de ocorrência e trajetória desse tipo de fenômeno, graças à ciência.
No Brasil, outras consequências também são visíveis. Os reservatórios de nossas usinas hidrelétricas estão no menor nível histórico. Com efeito, bandeira vermelha, energia mais cara e acionamento das poluentes e custosas termelétricas. Semelhantemente, os sinais agônicos de nossos rios justificam o neologismo hidrocídio. Em um dos biomas de maior diversidade do mundo – a Mata Atlântica –, restam apenas 7,3% da cobertura original. Constatam-se terras estorricadas por secas severas e, a cada ano, o Brasil bate recordes históricos em queimadas – só em setembro de 2017 foram 95 mil ocorrências. Consentânea é a frase da escritora Rose Marie Muraro: “Quando a Terra já estiver desertificada é que o ser humano vai aprender que não se come dinheiro”.
Já ultrapassamos em 20% os limites da exploração que a Terra poderia ter suportado sem degradar-se – é a conclusão de um estudo promovido pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês). E as evidências da deterioração em todos os recantos do planeta soam como uivos agônicos de uma natureza em dores fúnebres. Amiúde ouvimos que nós, humanos, vivemos em uma espaçonave sem saída de emergência. E é irônico e jocoso, pois o que chamamos de “meio” ambiente deveria ser inteiro, inteiríssimo!